
Sangue Negro narra a história de Daniel Plainview, um ganancioso prospector que busca a qualquer custo conquistar cada vez mais poços de petróleo. Instalando-se numa pequena cidade com seu filho H.W., Daniel enfrentará a oposição de Eli Sunday, um jovem pastor que tem sua própria definição de ganância. Escrito e dirigido por Paul Thomas Anderson, como todos os seus outros filmes, Sangue Negro é mais uma obra-prima deste genial diretor.
A estruturação dos personagens é perfeita. A relação estabelecida no roteiro, entre Plainview e Sunday é, a primeira vista, de espelhamento. Quando se sentam pela primeira vez à mesa, pais e filhos conversam sobre a venda da propriedade dos Sunday. Nesse diálogo percebe-se claramente que quem controla aquela casa é Eli Sunday, de um lado temos um filho que exerce forte influência sobre o pai e de outro um pai que exerce forte influência sobre o filho. É como se Eli e Plainview fossem reflexos num espelho, um sendo o lado invertido do outro. Muito embora o centro da personalidade de ambos seja o poder e ambição.
No caso de Eli fica claro que sua influência na igreja e na comunidade é o que ele mais preza. E Plainview faz questão de, literalmente, jogá-lo na lama toda vez que pode, apenas para provar que é o mais poderoso da região. Sua conquista de poços de petróleo também não parece ser uma simples questão de dinheiro. Plainview quer o que o dinheiro proporciona, o poder. Só lhe interessa isso: poder, dessa forma, seu desejo de dominação territorial mostra-se praticamente animalesco.
Mas o personagem não é tão plano assim, e Daniel Day-Lewis não poderia representar melhor essas incoerências. Em determinado momento da trama Plainview revela seu desejo de se isolar do mundo, ele demonstra todo seu desprezo pela humanidade. Daniel não é capaz nem de estabelecer um relacionamento normal com outro ser humano. Quando descobre que uma criança está sendo maltratada Plainview dá presentes a ela, e a aborda de uma maneira brusca, assustando a menina. Nem um traço de sensibilidade ao lidar com uma criança.
O problema é que ele não parece tão capaz de se distanciar assim de todos. Tanto é que se conecta muito facilmente com seu recém aparecido irmão. Acredito que a questão de Plainview é que ele quer se relacionar com alguém que seja exatamente como ele, que seja uma espécie de clone seu. Quando seu filho deixa de representar essa possibilidade ele rapidamente aposta todas suas fichas em seu irmão. Um desenho perfeito de alguém que tem a ganância como o epicentro da vida, alguém que não consegue ver nada além de si mesmo no mundo.
Uma outra coisa curiosa que notei no filme foram as referências a 2001: Uma Odisséia o espaço. Tais como os primeiros segundos de tela preta com trilha sonora esquisitíssima, seqüência inicial longa sem diálogos e um dos plano finais do filme. Eu li em algum lugar que essas referências nada acrescentariam no filme, em termos narrativos, seriam apenas ‘homenagens’. Mas eu discordo.
Usando as referências de 2001, PTA traça um paralelo de Plainview com a história do homem narrada no filme de Kubrick. O personagem de Plainview, à medida que enriquece, deixa de ser humano. Ele faz o caminho inverso dos macacos em 2001. A aurora do homem não existe em Sangue Negro, ao contrário, a ganância pelo petróleo faz com que o personagem principal mergulhe cada vez mais na escuridão do desumano. Um dos planos finais o prova. Quando Daniel Day-Lewis, encurvado como um macaco, usa um pino de boliche como arma, num enquadramento similar ao usado em 2001 na famosa cena do osso, ele completa seu ciclo evolutivo inverso. ‘I’m finished’ ele conclui.

5 comentários:
Legal o paralelo com 2001. Na hora que ouvi aqueles primeiros tons longos e psicodelicos, logo no inicio do filme, lembrei de cara de Kubrick. Pensei, poxa, PTA usou Ligëti?
Fantastica trilha, injustamente esquecida pela Academia.Quem diria hein, Radiohead!!
A Cena do boliche é escrachadamente Kubrickiana tambem, boia analogia com os macacos.
Filmasso, filmasso, filmasso.
Genial a sua comparação com a cena dos macacos do 2001. O filme é kubrickiano até o osso, mas essa analogia realmente foi pontual.
Abs!
Grande texto. O filme é absurdo!
Não tinha percebido a analogia com 2001 - Uma Odisséia no Espaço.
Essas referências são assumidas pelo PTA?
O filme tem um estilão kubrickiano, mas confesso que não analisei isso num primeiro momento. Vou esperar para comprar o DVD e revâ-lo com mais atenção ainda. É magnífico!
Ramon: Não sei se o PTA assume as referências, a principio eu só tinha notado isso enquanto assistia o filme. Tanto é que na hora de escrever eu fiquei meio receoso de estar inventando, aí eu dei uma pesquisada e vi que muita gente tinha notado isso também. Desse jeito eu fiquei mais seguro pra escrever partindo disso. Valeu pelo comentário!
Eu adoro "Sangue Negro" como um todo, é um misto perfeito de roteiro, atuações, direção, fotografia, direção de arte, trilha sonora... TUDO! É um dos melhores filmes do ano! Parabéns ao PTA por trazer ao cinema um filme tão poderoso e ao Upton Sinclair por ter criado a obra que inspirou esta espopéia cinematográfica.
Abraço!
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