
Reza a lenda que um dos pontos de virada da filosofia ocidental foi quando Sócrates começou a fazer oposição aos sofistas. Estes últimos eram uma classe de filósofos que se dedicavam a retórica pura e simples, concentravam-se em vencer uma discussão. Para Sócrates e seus pupilos posteriores (Platão seguido de Aristóteles), esse, entretanto, não era o ponto central da filosofia. A filosofia deveria se concentrar em desvelar a verdade, a argumentação era apenas uma das ferramentas que possibilitaria esse ofício.
Nick Taylor (Aaron Eckhart) é um sofista por natureza. Ele seria capaz de vender um casaco de pele a uma ativista do PETA, num jantar, devorando um assado de javali. Depois ele a convenceria a dar uma surra num saco cheio de gatinhos. Você entendeu. Ele é o cara ideal para a indústria de cigarros, portanto. Trabalha no que ele chama de ‘reinterpretação de Dados’, ou seja, um ponto de vista não tão ortodoxo sobre a indústria do fumo, a favor dessa própria indústria.
E se você achou que a aproximação de um porta-voz da indústria de cigarros com a distinção histórico-filosófica entre sofista e filósofos foi extremamente arbitrária, é só assistir Obrigado por Fumar que você entenderá. Nesse filme todo mundo é um sofista, e, perceba, até os sofistas acertam de vez em quando.
O diretor Jason Reitman, o novo queridinho da indústria pop-independente do cinema americano, demonstra em seu filme que a ênfase na articulação retórica está nos dois lados da questão. De um lado, o dark side por assim dizer, a indústria do tabaco apresenta uma retórica inabalável, calcada no ‘direito de escolha’ e ‘no livre pensamento’. E obviamente não escapa de erros também. Quando, por exemplo, Nick está com seus amigos da Liga da Morte (formada pelos representantes das indústrias de armas e bebidas, juntamente com Nick), seu colega da indústria bélica alega: “Quando alguém morre de acidente de avião, você culpa a Boeing?”. O que obviamente é um erro, o avião é um veículo para voar e quando cai isso é uma aberração dentro dos parâmetros sob os quais ele foi construído, um acidente. Já as armas quando matam estão pura e simplesmente executando aquilo para que foram desenhadas. A reinterpretação dos dados, ou distorções falaciosas são o Santo Graal para Nick, entretanto. Quando ele conversa com o filho diz: “Quando você argumenta não precisa estar certo”. O que, a bem da verdade, está correto. Uma argumentação pode ser coerente sem se aproximar da verdade. É isso precisamente que faz de Nick um sofista, o que ele faz é substituir a venda de cigarros por uma venda de argumentos coerentes, porém falsos.
Do outro lado o senador Otorlan Finistirre (William H. Macy, ótimo pra variar) inicia uma guerra contra o cigarro. E deste lado do front a situação em termos de argumentação não é muito melhor. O filme parece querer mostrar que quem se opõe, normalmente está tão acomodado em sua situação e considera suas ideologias tão naturais, que não precisa ter o trabalho de defendê-las. É por esse motivo que quando Nick pressiona seus opositores com suas falácias eles só conseguem exibir discursos lacunosos em tatibitate. Não estão preocupados em defender suas idéias porque passaram muito tempo contemplando-as como as mais corretas entre as idéias. O Senador Otorlan Finistirre é apenas um moralista disfarçado de libertador do povo, como mostra tão bem o final do filme. Sua estratégia é erigir leis tão óbvias que o povo estaria livre da tarefa tão penosa de pensar.
Usando a estratégia da relação pai-filho o diretor nos coloca na posição da criança. Assistimos Nick demonstrar todo o seu conhecimento da forma mais pedagógica possível, e ganhar a admiração do menino. E quase nos convencemos também que o cara é realmente um herói. Porque, afinal de contas, parece que naquela briga milenar os sofistas levaram a melhor, ninguém liga mais pra verdade, importa é quem conta a mentira mais bem contada.
Thank You For Smoking, 2005 - Dir. e roteiro: Jason Reitman - Com: Aaron Eckhart, Eric Haberman, Mary Jo Smith, William H. Macy, Cameron Bright, David Koechner, Kim Dickens, Robert Duvall, Katie Holmes.
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