terça-feira, 5 de maio de 2009

"Ô Lôco Meu! Quem sabe faz ao vivo!", ou, "Televisão até que é divertido"


Acabou-se o que era doce. Depois de duas semanas chegou ao final o taller de Televisão. Esse foi provavelmente um dos cinco talleres que eu mais gostei no primeiro ano. Foi um curso totalmente prático e deu pra sentir o gostinho do que é trabalhar numa tv de verdade, ainda que em dimensões tão reduzidas quanto foi nosso simulacro de televisão daqui. Começamos por dividir os trabalhos que cada um faria, e, obviamente, os que estão aqui para roteiro – este que vos fala incluído – naturalmente se encaminharam para essa função. Os produtores seguiram o mesmo caminho assim como as demais cátedras. Depois passamos a uma reunião entre produtores executivos e roteiristas e fizemos um rascunho da estrutura do programa.
O professor, um catalão hiperativo, nos deu total liberdade pra criar um programa do zero mas que, obviamente, deveria ter a característica de transmissão ao vivo. Decidimos, ao final, por um programa no estilo magazine com inserção de vários Vts diferentes, com um apresentador ao vivo. Eu sugeri um talk show cristão, no estilo do Church Talk, que fazia Dana Carvey no SNL, mas no fim a idéia não foi aceita por todos. Eu tinha medo do formato magazine e minhas suspeitas se revelaram verdadeiras dentro de alguns dias.

Depois criamos os diferentes segmentos dentro do programa e criaram-se equipes de trabalho para filmar os segmentos que deveriam se filmar antecipadamente. Eu fique à cargo do roteiro de um punhado de comerciais, um videoclipe e o segmento de fofocas ficcionais do programa, segmento que também apresentei. No final das contas o saldo foi positivo, conseguimos o que queríamos que era criar algo divertido, mas, como eu suspeitava, infelizmente esse formato permite que as pessoas pensem que podem enfiar qualquer coisa no programa. E aí vem o pior que existe aqui nessa escola, bem, talvez em qualquer escola de cinema: os supostamente gênios. Escrevi um roteiro para um videoclipe que foi descartado ao final, porque quem ia dirigir o dito cujo soube que a outra equipe responsável por outro videoclipe havia feito um vídeo excelente. Deu aquela coceirinha e o diretor resolveu mudar o projeto todo e fez uma clipe muito bem realizado, mas brega até a morte. E por aí foi, no final o programa ficou um pouco como um Frankstein sem conceito, com algumas coisas muito engraçadas mas outras que se levavam a sério demais, e por isso,fracas, ou melhor, fora de contexto.


Mas no final das contas deu pra sentir o peso de trabalhar em um programa de televisão, de ficar até as três da manhã escrevendo o roteiro que vai ser usado no dia seguinte porque o material atrasou na edição. De dar um friozinho na barriga na hora de cortar de uma câmera para outra. De entrar no ar ao vivo, mesmo que seja para 50 pessoas ao redor de uma TV de plasma no lobby da escola. A escola também alugou uma unidade móvel da televisão cubana que junto que com o estúdio bacana que a gente já tem, contribuíram muito pra experiência ser real e vibrante.

Depois desse taller já dá pra sentir na boca o gostinho do final do primeiro ano. Só temos mais duas semanas de aulas, depois vem o mais intenso: os célebres 3 minutos. Dois meses de pré-produção, filmagens, pós-produção e o 'pau quebrando' de verdade.

terça-feira, 24 de março de 2009

Últimos filmes vistos


Let The Right One In – Um menino solitário, que sofre com os valentões na escola, descobre numa estranha garota vizinha uma amizade incomum. Após alguns assassinatos ele percebe que a garota é na verdade uma vampira. Fotografia absolutamente deslumbrante, matizes aquareladas, com focos excepcionais, prefere deixar o contraste para a mise-en-cene da relação entre os personagens e as paisagens gélidas e brancas da Suécia. Aposta num clima de terror psicológico e personagens extremamente bem construídos, atuações inspiradas. Recomendadíssimo.

(Låt den rätte komma in, 2008, Suécia - Dir: Tomas Alfredson)


Doubt – Um freira, diretora de uma escola católica é alertada por uma professora da possibilidade de um dos alunos ter sido assediado por um padre. Não é preciso dizer que Meryl Streep e Phillip Seymour Hoffman tem atuações brilhantes, isso é habitual. O fato de que o filme foi adaptado de uma peça de teatro infelizmente também se faz bem claro, já que se baseia tão somente em diálogos, alguns chatíssimos, com muitas poucas soluções visuais. E quando o diretor busca alguma solução visual elas normalmente são sofríveis, só demonstrando a pouca experiência que o diretor John Patrick Shanley tem, já que essa é seu primeiro filme (ele também é autor da peça original). É lamentável, por exemplo, o ato de virar a câmera sem nenhum propósito aparente, demonstrando um incrível amadorismo. O filme ainda apresenta erros de eixo e de decupagem inaceitáveis. Um último diálogo entre Hoffman e Streep quase salva a película, mas, sua última e horrível cena consegue estragar tudo.

(Doubt, 2008, USA - Dir. John Patrick Shanley)


W. - Cinebiografia de George W. Bush cujo único acerto é escolher a comédia. O filme de Oliver Stone é simplesmente uma gozação à figura do ex-presidente americano e dedica quase três horas a zombar do infeliz. Não há nenhuma construção de personagem que ajude o expectador a entrar na experiência de George Bush, mantendo sempre uma distância entre expectador e personagem. Infelizmente também é impossível para o público construir uma imagem mais verossímel do personagem, e, portanto, formular uma opinião sobre ele. A atuação de Josh Brolin é esquemática e sofrível, assim como a maioria de seus companheiros de elenco - com destaque para Thandie Newton que vive Condoleezza Rice. As melhores performances, entretanto, ficam por conta de James Cromwell e Ellen Burstyn, que assumem respectivamente os papéis dó patriarca e da matriarca Bush.

(W., 2008, USA - Dir. Oliver Stone)


Vicky Cristina Barcela – Vicky e Cristina são duas amigas de infância que resolvem passar dois meses na Espanha. Oposta em relação à suas opiniões sobre o amor, Vicky esta prestes a se casar com um sucedido empresário e Cristina vaga procurando um amor perfeito na forma de um homem que fuja dos padrões. A vida das duas muda quando conhecem ###, um pintor boêmio da região catalã. Mais uma incursão de sucesso de Woody Allen pelo velho continente. Essa filme brinda o espectador com atuações inspiradas e um panorama interessante sobre o gênero comédia romântica. Lançando mão de todo o potencial de seus atores, Allen consegue segurar o longa fazendo aproximações do cinema com a literatura - algo muito comum em seus filmes – usando para isso um narrador eficiente. Além disso, parece ser o segundo diretor que consegue arrancar uma interpretação decente de Penélope Cruz (o outro é Almodóvar).

(Vicky, Cristina, Barcelona, 2007, USA - Dir. Woody Allen)

domingo, 22 de março de 2009

Sobre alemães, Kurosawa e poucas horas de sono

Retornei à escola depois de quase dois meses fora, cheguei no dia 1 de Março, mas, em verdade deveria ter chegado no dia 4 de Janeiro, quando as aulas recomeçariam depois de duas semanas de recesso para as festas de fim de ano. Por um problema de saúde grave na família não pude regressar, mas aqui estou eu de volta.

A recepção ocorreu com um taller de estética da Televisão, nada muito interessante, não vale nem comentar. Uma semana depois e eu estava mergulhado no taller de Fotografia, que nos ensinaria a manejar uma câmera de 16 mm para as filmagens dos curtas de três minutos que cada um fará, uma espécie de exercício de graduação do primeiro ano. Na segunda estava empolgadíssimo, pela primeira vez nós iríamos ver a famosa câmera que Akira Kurosawa usava e doou à escola. Vê-la desmontada foi um pouco anticlimático, mas depois de montada com a lente e o magazine foi sensacional! Nada mais fetichista para um estudante de cinema do que tocar e aprender os fundamentos da fotografia numa câmera usada por um dos maiores cineastas do mundo, reconhecido por seu preciosismo na fotografia. Dizem que Kurosawa chegava ao set, num dia de filmagem, pela manhã, sentava-se em sua cadeira e esperava até que a luz estivesse ideal, as vezes ficava dias no set sem filmar. Isso com equipe e atores – as vezes centenas deles – vestidos e maquiados, luzes postas, esperando caprichosamente que o sol fizesse o seu trabalho. Não é à toa que a fotografia de seus filmes seja impecável.


Infelizmente a magia durou pouco. Eu sabia que o ofício da fotografia requeria dedicação e muito conhecimento técnico, mas não sabia que era tão chato. A questão é que esse taller é tradicionalmente realizado por um professor alemão um tanto quanto 'exótico', digamos. Jorg Geissler é um reconhecido profissional na Alemanha e vem todos os anos realizar esse taller prático e teórico com os alunos de primeiro ano, e é um divisor de águas, ou você ama o cara ou o odeia. Eu confesso que estou no segundo grupo. Pra começar ele marcava as aulas para mais cedo do que o costumeiro e deixava a classe muito tempo depois da hora. Além disso ele tem a interessante mania de gritar com os alunos quando estão em filmagem, basta que você cometa algum errinho em algum dos equipamentos cujos preços foram exaustivamente citados por ele em sala. Houve choro, ranger de dentes, gritaria e, principalmente, muitas, muitas horas de filmagem. Por exemplo, começamos a filmar – desta vez em vídeo – numa quinta à noite, paramos as 2h30min da manhã, acordamos às 8h30, seguimos filmando até as 11h, depois fomos para o telecine, onde ficamos direto até as 18h, com 40 min para almoçar, e depois seguimos filmando de 19h até as 3h da manhã. No sábado a filmagem seguiu das 9h30 até 16h, com 1h30min para almoço. No sábado, o roteiro que filmávamos já tinha sofrido tantas mudanças drásticas para simplificar nossa vida, que eu duvido que vá fazer algum sentido depois de montado. Além disso, depois de tantas horas de trabalho (e eu nem citei as horas de filmagem em película da semana anterior) e privação de sono, ninguém suportava mais ver a cara de ninguém. Enxergávamos uns aos outros como horas de descanso em potencial, então, se alguém se demorava a realizar algum plano, olhávamos gravemente para essa pessoa pensando nas horas que ela estava nos roubando.




Ao final, depois de muitas brigas, eu estou vivo. Mas tenho esperança que na semana que vem tudo melhore, virão duas semanas de edição e mais duas de som. E os tambores já estão soando para o grande momento deste primeiro ano: os três minutos. Os grupos já estão montados e resta pouco tempo para que comecemos a pré-produção. E, se no taller de fotografia já foi uma loucura, imagino como vai ser quando cada um de nós tiver que filmar um curta metragem de 3 minutos em película. Essa escola vai virar de cabeça pra baixo.