quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Festival e Gabo, parte 2

As películas mais aguardadas do festival eram Ensaio sobre a Cegueira, Linha de Passe, A Mulher sem Cabeça e Che parte 1 e 2. Todas as sessões para esses filmes foram concorridíssimas e lotadas. A sorte é que os alunos tem uma credencial e não precisam pegar fila para entrar nas sessões, sorte também que todos os cinemas cubanos são da épocas onde o cinema era a maior fonte de diversão, então são gigantes.

Na sessão dupla de Che, onde a fila pra entrar dobrava o quarteirão, compareceram, além de alguns produtores, os atores Benício Del Toro e Rodrigo Santoro, que interpretam respectivamente Che Guevara e Raul Castro. Foi interessante ver também que meu vizinho de quarto aqui na escola está no filme, como um revolucionário que leva um tiro na bunda e não tem falas. Na sessão de Linha de Passe ninguém do filme estava, mas Daniela Thomas – que divide a direção com Walter Salles – apareceu por aqui na escola anteontem. Por sorte fui numa sessão de A Mulher Sem Cabeça apresentada pela diretora, Lucrécia Martel, e que me disseram hoje deve estar na escola nos próximos dias. O primeiro filme dessa diretora argentina, O Pântano, é incrível, mas infelizmente esse último deixa a desejar.

Além disso Mike Leigh foi o homenageado da vez no festival, com uma pequena retrospectiva de seus filmes, e ainda apresentando seu último trabalho, Happy-Go-Lucky, que está excelente (e acabei de descobrir que foi indicado ao Globo de Ouro). Mike Leigh esteve aqui na escola e fez uma palestra incrível, ficou mais de duas horas respondendo perguntas dos alunas e depois almoçou com os alunos de direção.

A presença brasileira também chamou muita atenção no festival, como tem sido costumeiro nos últimos anos. Havia muitos filmes nacionais e muitos deles excelentes, é uma pena que não possa dizer isso de todos. As sessões de Última Parada 174 estavam lotadas, não entendo muito bem porque, já que achei o filme uma porcaria total. Com A Festa da Menina Morta, do Matheus Nachtergaele, ocorreu exatamente o contrário, ao final não sobrava quase ninguém na sala e eu achei o filme muito bom. As sessões de Feliz Natal, de Selton Mello, foram moderadamente concorridas mas o público ao menos se manteve dentro da sala. Além disso foi interessante bater papo com o Selton Mello e Daniel de Oliveira, ator de A festa..., duas pessoas muito interessantes e solicitas.

Fora os nacionais alguns outros filmes me chamaram muito a atenção. O festival abriu com Leonera, um filme argentino muito interessante sobre uma mulher que é encarcerada enquanto está grávida, e que também conta com a participação de Rodrigo Santoro falando um espanhol com sotaque argentino bem sofrível. O documentário uruguaio Vengo de un avión que cayó en las montañas é mais uma tentativa de abordar a tragédia do vôo de esportistas uruguaios que caiu nos Andes, através de depoimentos dos sobreviventes, fotos do próprio acidente e reconstituições o diretor consegue demonstrar toda a dificuldade para sobreviver numa situação como essa. O filme russo Día de plenilunio (não conheço o título original) é uma exercício fantástico de narração. Não conta com personagens e história centrais, ao contrário, troca de ponto de vista toda vez que um personagem encontra outro, assim, acompanhamos um personagem por alguns minutos e depois outro. Com o tempo percebemos como quase tudo gira em torno de um mesmo evento do passado.

A embaixada brasileira ofereceu um coquetel no Hotel nacional também, onde compareceram os atores Selton Mello, Daniel de Oliveira e Fernanda de Freitas (Tropa de Elite). Não foi nada interessante, o melhor foi conhecer a secretária do embaixador que parece um personagem saído diretamente de um quadro do Zorra Total. Terminei a semana cruzando pela primeira vez com Grabiel Garcia Marquez num corredor aqui da escola, finalmente! O ruim é que parece que Gabo não está nada bem, está tão velhinho e anda com tanta dificuldade que acho que não lhe sobra muito tempo. Me disseram que é muito difícil conseguir falar com ele ultimamente, porque anda mais recolhido e cansado.

Festival e outras coisas mais, parte 1

Vou dividir este post em dois pra não ficar muito grande. Tem muito tempo que eu não posto nada e fica difícil lembrar de tudo, então nem vou tentar. Três semanas atrás estávamos em um taller de produção e foi o demônio. Durou duas semanas e, no final delas, tínhamos que entregar uma pasta de produção de um curta metragem completa. O professor nos deu um roteiro e iniciamos as atividades nos reunindo em grupo e decidindo como seria a cara desse curta. Meu grupo decidiu por uma história ambientada na década de 50 cubana.

Depois disso nos dividíamos em duplas e começávamos o trabalho de verdade. Incluía um orçamento completo (inclusive com partes abertas, com cálculos de salários e encargos sociais para mais de 40 pessoas, impostos, etc), plano de rodagem, planta de câmeras, roteiro técnico, plano econômico, fotos de locações ou esboço de cenários, press kit e um pitch pra completar. Não parece tanto, mas me custou duas noites em claro trabalhando até as 5 da manhã e mais outras três noites que fui dormir as 3h. O mais curioso era andar pelos corredores da escola no meio da madrugada. Se passava na frente do quarto de algum colega eu sempre ouvia vozes lá dentro, discutindo sobre o trabalho. Na nossa sala de aula era ainda mais incrível. Eu costumava ir lá porque temos pontos de internet e alguns computadores disponíveis, mas poderiam facilmente ser 3 horas da manhã e as pessoas estavam trabalhando ativamente, ouvindo música, conversando, etc. Aparentemente era um dia normal se pela janela a escuridão da madrugada não pudesse ser vista. Era um clima interessante, mas desesperante. Especialmente porque nossos coordenadores tiveram a brilhante idéia de nos colocar uma matéria noturna – sim, porque a matéria de produção continuava normalmente durante a manhã e tarde, trabalhávamos nos horários 'livres' - tínhamos Recorrido del Heroe durante a noite com uma professora americana. O melhor de tudo era que essa matéria foi um desperdício de tempo total, pois a professora e seu irritante tradutor só tratavam de mostrar filmes completos e fazer discussões chulas no final. A aula terminava meia noite e aí começávamos a trabalhar. Que bom que acabou.

Felizmente na semana seguinte ao final do taller de produção começou o 30º Festival Internacional do Novo Cinema Latino Americano, ou, pros íntimos, Festival de Cinema de Havana. A organização do Novo Cinema Latino Americano é a fundação que criou essa escola, assim, o festival é sempre uma ocasião muito especial. A semana começou com a distribuição de módicos 30 CUCs pra cada um dos alunos. Esse dinheiro deveria ser usado para alimentação enquanto estávamos em Havana. Mas o esquema do festival é um pouco pesado, a escola coloca quatro horários de ônibus para levar os alunos para Havana, sendo que o mais tarde é as 14h. O problema é que os horários de retorno se reduzem a 12h30 e 2h da manhã. Ou seja, ficamos todos os dias 12h em Havana, cansativo pra caramba. Não dava pra reclamar muito no início, porque tudo é festa nos primeiros dias. A cada dia que pegávamos o jornalzinho com a programação do dia seguinte era uma satisfação, porque víamos nomes de filmes que queríamos ver a muito tempo, ou filmes que estrearam no circuito mundial – que exclui Cuba – enquanto estávamos aqui.

Além disso, a sede do evento é no prestigiado e famoso Hotel Nacional, no centro de Havana, e os alunos dos anos anteriores já haviam dito que era meio costumeiro passar as horas vagas nos sofás do Hotel vendo um monte de gente famosa passar.

Em relação aos filmes o festival é interessante porque te dá a chance de ver coisas que você provavelmente não vai mais ver em lugar nenhum, muitos filmes de todos os países da América latina. Dá pra conferir o que os compañeros estão fazendo por aí e deu pra ver também o rosto de muita gente conhecida aqui da escola em alguns filmes.