sábado, 1 de novembro de 2008

A Saga do Papel Higiênico

Fui à Havana domingo, para respirar um pouco os ares da civilização. Além disso quatro colegas estavam numa missão sagradíssima: encontrar papel higiênico. Aqui há algumas crises sazonais deste objeto tão útil, mas eu estava relativamente tranquilo pois tinha um estoque pessoal razoável. Só sei que rodamos Havana inteira, a velha e a nova, em busca dos tais papéis, e nada. No final, por desespero, os colegas se contentaram com guardanapos, só para descobrir, no dia posterior, que tinha chegado papel na loja da escola.

Mas o melhor de ir à Havana é comer, pra variar um pouquinho a comida da escola. Comi um hambúguer que nem de longe lembra os hamburgueres do Brasil, mas tá valendo. Também não tinha Coca-Cola nesse dia. É que agora, depois de algumas semanas do furacão Ike, os estoques de comida do país estão acabando, e há uma pequena crise por aí. Dizem que um ovo em Havana está custando os olhos da cara, mas, como sempre, não dá pra saber até onde vão os boatos e onde está a verdade. O que é fato é que o governo cubano apertou o certo para o contrabando e venda ilegal de alimentos, algo que normalmente recebe uma vista grossa por parte dele. Quem for pego vendendo alimentos ilegalmente – ou seja, por fora dos supermercados estatais ou 'bodegas' das cidades – pode ir em cana. Mas a escola não corre nenhum risco, creio eu. A maior parte da nossa comida é importada, e não
sofre nenhum efeito nessa crise, a não ser pelos vegetais, que aqui em Cuba são um problema de qualquer maneira. Isso só serve pra reforçar a expressão que se usa por aqui de que a EICTV não é Cuba. A ilha dentro da ilha.

Voltando ao consumo – ah, o consumo! - comprei, finalmente, caixas de som para o notebook, e agora posso incomodar meus vizinhos também. O som do notebook já não me satisfazia há muito tempo, quando estava tomando banho, por exemplo, não escutava músicas direito. Agora sim escuto, e meus vizinhos também! A melhora também foi grande para ver filmes e seriados. Outro item com 'check' foi a organização do meu quarto. Finalmente cheguei a uma configuração 'x' que me agradou, pelo menos momentaneamente. Não vou esquentar muito a cabeça agora porque pretendo mudar de quarto no final do ano letivo, em Julho, quando os alunos de terceiro ano forem embora. Então pintar paredes por enquanto nem pensar. Outra coisa boa é que o calor está indo embora aos poucos, estamos nos aproximando do inverno. Obviamente que não chega a fazer frio de verdade mas pelo menos não faz calor como no inferno. Com o festival de Havana se aproximando fico cada vez mais excitado. 'Corre à boca pequena' que o Gabriel Garcia Marquez deve aparecer por aqui alguns dias antes do festival e que deve ter uma conversa com a gente. Mas ninguém confirma isso, afinal, ele está bem velhinho e doente. Meu pesar é que todo ano ele dava uma oficina para os roteiristas, mas essa oficina não está mais garantida agora, eu acho. Pena. Segunda devem pintar por aqui o diretor de 'As duas faces de um
crime' e do recente 'Fracture' e um executivo da Dreamworks. Além disso vamos ter uma conferência sobre Animes com um doutor de uma universidade japonesa, especialista no assunto. A semana promete, especialmente porque começo com duas oficinas novas.

Essa foi também a última semana de História do Cinema, e consequentemente o fim das sessões de filmes obrigatórias à noite, mas não pensem vocês que as aulinhas da noite terminaram não! No sir! Na próxima semana tenho taller de vídeo arte. Mas voltando às sessões de História do Cinema os filmes da semana foram:

My Father is 100 years old – Curta absolutamente maravilhoso de Guy Maddin sobre Roberto Rossellini, atuado por sua filha, Isabela Rossellini. Entre outras coisas Isabela interpreta Hitchcock, David O Seznick, Fellini e Charles Chaplin. Imperdível, recomendo a visualização no Youtube.


The sadest song in the world – Longa de Guy Maddin sobre uma ricaça dona de uma cervejaria que resolve lançar um concurso para escolher a música mais triste do mundo, para patrocinar sua cerveja. Entre outras bizarrices, a personagem de Isabela Rossellini, que não tem pernas, usa em determinado momento do filme próteses de vidro cheias de cerveja.

Através das Oliveiras – Filme de Abbas Kiarostami, o papa do cinema iraniano, que fecha a trilogia iniciada por Onde fica a Casa de meu Amigo? Narra a história de uma filmagem, a filmagem do segundo filme da trilogia, E a Vida Continua. Porém não é um making of, é uma filmagem fictícia de um filme real (!), o plano final da película é absolutamente maravilhoso. Deveria estar em qualquer lista dos 10 melhores planos da história do cinema.

As 5 Obstruções de Lars Von Trier – Devo começar dizendo que esse talvez não seja o título desse filme em português, eu traduzi do espanhol e achei impossível memorizar o título original em dinamarquês. O filme trata de uma proposta que o sempre alucinado e criativo Lars Von Trier faz a um diretor da velha guarda da Dinamarca. Refazer um curta chamado O Homem Perfeito, filmado pela própria 'cobaia' anos antes, de cinco formas diferentes, cada uma delas com algum tipo de restrição estabelecido por Trier. Se parece um reality show à primeira vista, saiba que não é. Trier cria uma intricada teoria sobre a personalidade de sua 'cobaia' e trata de criar situações 'terapêuticas' com elas. É também um verdadeiro ensaio sobre o cinema.

As Harmonias de Weickmeister – Bela Tarr é um diretor húngaro muito prestigiado em todo mundo. Provavelmente tem os filmes mais difíceis de se assistir na história do cinema. Um filme de Bela Tarr é diferente de qualquer outra coisa que você já tenha visto. Aqui na escola assistir um filme dele é como uma das provas de Hércules para o estudante, é como uma das etapas da jornada do herói. Não é a toa que poucas pessoas vejam seus filmes, muito embora muitas pessoas falem deles, um de seus longas tem 7 horas e meia de duração. Confesso que esse não me agradou muito logo depois da projeção. Mas no dia seguinte, quando não consegui tirar vários de seus planos-seqüência da cabeça, soube que tinha assistido a uma obra-prima e que teria que voltar a ela mais vezes.

71 Fragmentos de uma cronologia de Azar – Outro título traduzido do espanhol com o original em alemão. Nesse Michel Haneke novamente dá contornos políticos e sociais ao tema da violência. Mas usa para isso apenas fragmentos de histórias desconexas de pessoas que participaram, ou não, de um desses eventos de tiroteios em lugares públicos. A teoria é que desfragmentando se conhece mais um evento. Não sei como, pra mim o resultado foi que desfragmentando se faz um filme chato. Muito chato!

Nenhum comentário: