domingo, 9 de novembro de 2008

Reygadas e fotografias

Essa semana recebemos na escola Carlos Reygadas, um cineasta mexicano que tem certo reconhecimento internacional com seus filmes, estritamente filmes de arte. Confesso que ainda não vi nenhum dos filmes de Reygadas, mas o sujeito parece gente boníssima. É nesses momentos que você ama a escola, porque em que outra escola do mundo os alunos poderiam tomar cerveja com um artista conhecido, que pode passar muitos dos seus conhecimentos para eles? Em outra parte do mundo você almoça com um diretor de cinema de prestígio internacional? E que pega fila no refeitório como todo mundo!


O outro ponto alto da semana é que a parte prática do curso voltou, depois do hiato de algumas semanas de teoria. Se bem que eu não considero o taller de três semanas de roteiro como só teórico, afinal, tivemos que escrever muita coisa e para mim não resta dúvida de que isso é prática. Mas a parte bizarra ainda está por vir.

Pense numa mídia visual que sumiu, que está totalmente extinta mesmo. Completamente. Talvez reapareça vez por outra apenas como um tipo referência ao passado ou como uma forma didática, sem fins artísticos. Pensou? Pensou em fotonovela? Se pensou nisso acertou, agora tenta adivinhar quem está tendo um taller prático de fotonovela? Se pensou em Daniel Castro acertou também, adivinhão.


Quando eu vi escrito no quadro geral, que mostra todos os talleres que teremos até o fim do ano letivo, imaginei, no mínimo, que essa forma de... de 'arte', estivesse em uso em alguma parte da América Latina. Mas não, está extinta mesmo, assegurou meu professor uruguaio – que além de ser professor dessa pérola tem a irritante característica de falar baixo como um monge Zen budista. E depois de fazer minhas sinapses trabalharem em hora extra por um momento, cheguei a conclusão de que o objetivo do taller era, obviamente, exercitar a narração de uma história de maneira visual. E que sim, era um bom exercício pensar numa história de forma visual, decupar uma fotonovela, pensar em planos, etc. Além da aula de fotografia e revelação fotográfica que tivemos, que foi muito boa. Mas algum de vocês, caros leitores, já leu uma fotonovela? É horrível! Eu aconselho que se não leram não leiam nunca, preservem sua inocência e dignidade.


E o pior é que o professor faz questao que nosso exercício se enquadre dentro da 'linguagem' (leia-se clichê) de uma fotonovela. O pior é que em qualquer uma dessas pérolas as fotos em si são praticamente dispensáveis. A descrição emocional e psíquica dos personagens que cada um dos quadros leva é tão completa e transparente que torna as imagens supérfluas. Além do fato de que as imagens são tão genéricas que podem contemplar quase qualquer descrição. Eu entenderia o exercício se fosse apenas uma prática de uma narrativa contada por meio de imagens. Mas essa coisa de entender a linguagem das fotonovelas me parece muito dispensável e irritante. E as aulas são uma tortura psicológica já que o professor fala dos conceitos como se estivesse cantando um mantra, resistir ao sono é tarefa duríssima, sorte que foram poucas aulas teóricas e mais práticas.


Outra novidade foi que corríamos o risco de receber mais uma daquelas visitinhas tenebrosas de um furacão, mas que, felizmente, passou longe. O furacão Paloma se dirigiu diretamente para o centro da ilha e ficou bem longe de nosotros. Torço pelo pessoal de Camaguey agora, porque parece que vão pegar um categoria 4 por lá. Quando o Ike passou por aqui, uns três dias antes já ventava muito forte, se escutava os uivos altos por toda noite. Mas o Paloma tem previsão de chegada para domingo de manhã e até agora nada. Está tudo muito calmo por aqui, então acho que ele não vai fazer nem cócegas na escola, felizmente.


E outra notícia chocante: vi dois filmes essa semana! Parece horrível para um estudante de cinema, certo? E é mesmo, mas não sei o que aconteceu. E justo nessa semana, onde eu – pasmem! - não tive atividade nas noites. Tive todas as noites da semana livres e só consegui ver dois filmes. E com um deles sofri muito para chegar ao final. Os contemplados foram:


A Conversação (Francis Ford Coppola) – Filme que narra de maneira interessantíssima o trabalho de um detetive particular que grava uma conversa de um homem e uma mulher a pedido do marido da mesma. Temendo pela vida dos dois gravados, já que percebe que o homem que o contratou pode tentar matar o casal, ele se depara com um dilema ético. Excelente performance de Gene Hackman como o detetive e brilhante roteiro.


Inland Empire (David Lynch) – Num futuro próximo me lembrem de dar mais uma chance a esse filme. Acho que David Lynch merece, mas, dessa vez, tenho que confessar que não me agradou. E não foi o fato de que este último ser completamente ininteligível. Até meados dos primeiros noventa minutos eu estava totalmente concentrado na obra, até achei bastante perturbador e bizarro. Mas depois da primeira hora e meia foi praticamente impossível resistir ao sono. Tive que terminar o filme numa segunda sessão, coisa que raramente faço. Destaque para o trabalho fenomenal de Laura Dern, atriz que parece só funcionar bem com Lynch.

sábado, 1 de novembro de 2008

Farofas e Zumbis

Vocês devem ter notado a postagem dupla hoje, e a falta de post semana passada. Bom, tive alguns problemas com a internet aqui na escola, mais problemas de tempo, e, finalmente, problemas com um pendrive pródigo que já retornou à casa depois de estar perdido. Então aproveitei pra postar hoje o post que tinha escrito pra semana passada.

Essa semana não foi lá de muitos filmes. Não vi nenhum, por incrível que pareça. Quer dizer, nenhum convencional, porque o que eu vi de videoarte esses dias não está no gibi! Vi, inclusive, a coisa mais bizarra que já deve ter sido feita para o cinema. Mas felizmente me esqueci o nome, e, com sorte, devo esquecer as imagens nas próximas semanas. Ah, sim, vi também um documentário que um colega me emprestou, chamado Zeitgeist, feito por um desses grupos de extrema esquerda por aí. Estou sendo tão genérico assim de propósito porque esse filme não tem autoria, e, pra mim, não ter autor ia é também não assumir responsabilidades.

Mas devo dizer que o filme em si, apesar de tosquíssimo, é um pouco interessante. Golpeia a religião no princípio e depois, no resto, golpeia os EUA. Quem me conhece sabe que esse tipo de crítica inocente normalmente não me atrai, e que eu não tenho tanta propensão a esse tipo de esquerdismo (e talvez de nenhum outro tipo), mas o filme dá dados interessantes sobre o 11 de Setembro e sobre o sistema econômico americano. Coisas que eu nunca tinha ouvido falar antes. Pra quem quiser ele pode ser baixado de graça. É só procurar por Zeitgeist no Google.

Seguindo com as outras coisas interessantes da semana tenho que ressaltar a farofa! Sim, vocês que moram no Brasil não sabem a sorte que têm de poder encontrar essa iguaria em qualquer esquina. Quando eu estava aí não dava tanta importância assim pra farofa. Mas outro dia, quando um colega que trouxe pacotinhos de farofa pronta do Brasil me ofereceu, e eu comi junto com a comida normal do escola, quase caí pra trás! Daí tive que ligar pra minha família que se encarregou de mandar algumas coisinhas pra mim, das quais destaco grandemente a presença da farofa e de paçoquinhas. Ah! Me senti no Brasil comendo paçoquinhas.Sei que isso parece um tanto quanto patético, mas vocês não fazem idéia o tanto que se perde a refer ência quando se está distante do que você comia regularmente no Brasil. O gosto parece difer ente, maravilhoso! Bom, quando for para o Brasil em Dezembro vou de malas vazias e elas voltarão lotadas, e podem acreditar que uma boa parte da carga será de paçocas e farofa!

O outro ponto alto da semana foi a caminha Zumbi em San Antonio de Los Baños. Sim! Os alunos da EICTV estão se esforçando pra trazer a cultura ianque aqui para Cuba! Alguns alunos do terceiro ano organizaram uma festinha pra comemorar o Halloween em San Antonio, que é a cidade onde se localiza a escola (só que 9 Km distante). San Antonio é uma cidade de mais ou menos 20 mil habitantes e o cenário é o típico cubano: muitas casas velhas e aparência de desolação. Lembra um pouco os municípios pequenos do norte de Minas e alguns do Nordeste, mas tem suas peculiar idades. Bom, o caso é que esse cenário serviu perfeitamente para dar lugar a um bando de gente vestida como zumbis, gritando pelo meio da rua em plena noite. Parecia realmente um filme pós-apocalíptico, e os locais tiveram o maior prazer em se juntar a nós, especialmente os adolescentes e jovens, é claro. Depois de rodar em algumas ruas aos berros, inclusive abordando
carros, a noite terminou com a exibição de Madrugada dos Mortos em uma das praças da cidade. É esse tipo de coisa que faz a gente ter a sensação que voltou aos nove anos de idade aqui na escola, perfeito!

A Saga do Papel Higiênico

Fui à Havana domingo, para respirar um pouco os ares da civilização. Além disso quatro colegas estavam numa missão sagradíssima: encontrar papel higiênico. Aqui há algumas crises sazonais deste objeto tão útil, mas eu estava relativamente tranquilo pois tinha um estoque pessoal razoável. Só sei que rodamos Havana inteira, a velha e a nova, em busca dos tais papéis, e nada. No final, por desespero, os colegas se contentaram com guardanapos, só para descobrir, no dia posterior, que tinha chegado papel na loja da escola.

Mas o melhor de ir à Havana é comer, pra variar um pouquinho a comida da escola. Comi um hambúguer que nem de longe lembra os hamburgueres do Brasil, mas tá valendo. Também não tinha Coca-Cola nesse dia. É que agora, depois de algumas semanas do furacão Ike, os estoques de comida do país estão acabando, e há uma pequena crise por aí. Dizem que um ovo em Havana está custando os olhos da cara, mas, como sempre, não dá pra saber até onde vão os boatos e onde está a verdade. O que é fato é que o governo cubano apertou o certo para o contrabando e venda ilegal de alimentos, algo que normalmente recebe uma vista grossa por parte dele. Quem for pego vendendo alimentos ilegalmente – ou seja, por fora dos supermercados estatais ou 'bodegas' das cidades – pode ir em cana. Mas a escola não corre nenhum risco, creio eu. A maior parte da nossa comida é importada, e não
sofre nenhum efeito nessa crise, a não ser pelos vegetais, que aqui em Cuba são um problema de qualquer maneira. Isso só serve pra reforçar a expressão que se usa por aqui de que a EICTV não é Cuba. A ilha dentro da ilha.

Voltando ao consumo – ah, o consumo! - comprei, finalmente, caixas de som para o notebook, e agora posso incomodar meus vizinhos também. O som do notebook já não me satisfazia há muito tempo, quando estava tomando banho, por exemplo, não escutava músicas direito. Agora sim escuto, e meus vizinhos também! A melhora também foi grande para ver filmes e seriados. Outro item com 'check' foi a organização do meu quarto. Finalmente cheguei a uma configuração 'x' que me agradou, pelo menos momentaneamente. Não vou esquentar muito a cabeça agora porque pretendo mudar de quarto no final do ano letivo, em Julho, quando os alunos de terceiro ano forem embora. Então pintar paredes por enquanto nem pensar. Outra coisa boa é que o calor está indo embora aos poucos, estamos nos aproximando do inverno. Obviamente que não chega a fazer frio de verdade mas pelo menos não faz calor como no inferno. Com o festival de Havana se aproximando fico cada vez mais excitado. 'Corre à boca pequena' que o Gabriel Garcia Marquez deve aparecer por aqui alguns dias antes do festival e que deve ter uma conversa com a gente. Mas ninguém confirma isso, afinal, ele está bem velhinho e doente. Meu pesar é que todo ano ele dava uma oficina para os roteiristas, mas essa oficina não está mais garantida agora, eu acho. Pena. Segunda devem pintar por aqui o diretor de 'As duas faces de um
crime' e do recente 'Fracture' e um executivo da Dreamworks. Além disso vamos ter uma conferência sobre Animes com um doutor de uma universidade japonesa, especialista no assunto. A semana promete, especialmente porque começo com duas oficinas novas.

Essa foi também a última semana de História do Cinema, e consequentemente o fim das sessões de filmes obrigatórias à noite, mas não pensem vocês que as aulinhas da noite terminaram não! No sir! Na próxima semana tenho taller de vídeo arte. Mas voltando às sessões de História do Cinema os filmes da semana foram:

My Father is 100 years old – Curta absolutamente maravilhoso de Guy Maddin sobre Roberto Rossellini, atuado por sua filha, Isabela Rossellini. Entre outras coisas Isabela interpreta Hitchcock, David O Seznick, Fellini e Charles Chaplin. Imperdível, recomendo a visualização no Youtube.


The sadest song in the world – Longa de Guy Maddin sobre uma ricaça dona de uma cervejaria que resolve lançar um concurso para escolher a música mais triste do mundo, para patrocinar sua cerveja. Entre outras bizarrices, a personagem de Isabela Rossellini, que não tem pernas, usa em determinado momento do filme próteses de vidro cheias de cerveja.

Através das Oliveiras – Filme de Abbas Kiarostami, o papa do cinema iraniano, que fecha a trilogia iniciada por Onde fica a Casa de meu Amigo? Narra a história de uma filmagem, a filmagem do segundo filme da trilogia, E a Vida Continua. Porém não é um making of, é uma filmagem fictícia de um filme real (!), o plano final da película é absolutamente maravilhoso. Deveria estar em qualquer lista dos 10 melhores planos da história do cinema.

As 5 Obstruções de Lars Von Trier – Devo começar dizendo que esse talvez não seja o título desse filme em português, eu traduzi do espanhol e achei impossível memorizar o título original em dinamarquês. O filme trata de uma proposta que o sempre alucinado e criativo Lars Von Trier faz a um diretor da velha guarda da Dinamarca. Refazer um curta chamado O Homem Perfeito, filmado pela própria 'cobaia' anos antes, de cinco formas diferentes, cada uma delas com algum tipo de restrição estabelecido por Trier. Se parece um reality show à primeira vista, saiba que não é. Trier cria uma intricada teoria sobre a personalidade de sua 'cobaia' e trata de criar situações 'terapêuticas' com elas. É também um verdadeiro ensaio sobre o cinema.

As Harmonias de Weickmeister – Bela Tarr é um diretor húngaro muito prestigiado em todo mundo. Provavelmente tem os filmes mais difíceis de se assistir na história do cinema. Um filme de Bela Tarr é diferente de qualquer outra coisa que você já tenha visto. Aqui na escola assistir um filme dele é como uma das provas de Hércules para o estudante, é como uma das etapas da jornada do herói. Não é a toa que poucas pessoas vejam seus filmes, muito embora muitas pessoas falem deles, um de seus longas tem 7 horas e meia de duração. Confesso que esse não me agradou muito logo depois da projeção. Mas no dia seguinte, quando não consegui tirar vários de seus planos-seqüência da cabeça, soube que tinha assistido a uma obra-prima e que teria que voltar a ela mais vezes.

71 Fragmentos de uma cronologia de Azar – Outro título traduzido do espanhol com o original em alemão. Nesse Michel Haneke novamente dá contornos políticos e sociais ao tema da violência. Mas usa para isso apenas fragmentos de histórias desconexas de pessoas que participaram, ou não, de um desses eventos de tiroteios em lugares públicos. A teoria é que desfragmentando se conhece mais um evento. Não sei como, pra mim o resultado foi que desfragmentando se faz um filme chato. Muito chato!