terça-feira, 1 de julho de 2008

Dez


É sempre muito bom assistir algo em que se pensa logo no começo: “Que diabos é isso que eu estou assistindo?”. Essa experiência não é muito comum no cinema, um lugar povoado de oceanos de obviedades. Dez, do iraniano Abbas Kiarostami, me trouxe essa sensação. Mesmo que no início eu não tenha me conectado totalmente com o filme e tenha até sentido um pouco de sono.


A grande questão é que ele deixa um efeito residual, um ‘gostinho’ na boca que faz você voltar os pensamentos pra ele mesmo depois de ter assistido dias atrás. O filme acompanha Mania Akbari, uma mulher de meia-idade iraniana que recebe dez pessoas em seu carro, enquanto perambula pelas ruas de Teerã. E é isso. Duas câmeras DV captam o rosto de Akbari e de quem quer que esteja ocupando o banco do carona. As pessoas que passam pelo carro vão desde seu filho de sete anos, uma senhora muito religiosa, uma prostituta e uma amiga abandonada pelo marido.


O filme obviamente discute o papel da mulher na sociedade islâmica. Mas vai mais além. Kiarostami disse que o concebeu como um filme sem diretor (!). Ele dava orientações por um ponto no ouvido dos atores, e realizou ensaios e orientações com seu elenco, e foi só.


Além disso, os atores representavam papéis baseados em suas próprias vidas e não havia roteiro. Uma outra grande questão que emerge dessas informações é sobre a cada vez mais tênue distinção entre documentário e ficção. Quando o menino Amin está falando com sua mãe fica bastante claro que aquele texto não é puramente ficcional, sua mente infantil e machista não maquinou tudo aquilo, o conflito é verdadeiro.


E como fica a grande e pomposa teoria do auteur num filme que foi concebido com não tendo direção? Ela obviamente esta lá, mas mira o invisível, mira desaparecer. Como enquadrar Kiarostami como um auteur sendo que sua obra cada vez mais é totalmente heterogênea? Talvez não seja ele o culpado, talvez a teoria do auteur é que deveria mudar. Quem sabe desaparecer.






7 comentários:

Isabela disse...

Esse eu não conhecia, mas irá entrar para a minha listinha.

Pedro Henrique Gomes disse...

Tinha lido a sinopse, mas nela não vi tanta coisa de interessante quanto vi no teu texto.

Abraço!

Rodrigo Fernandes disse...

já ta na lista...
uma pena que soa tao dificeis de serem encontrados.
abraços!!

Anônimo disse...

Poxa, crítica arrasadora! Agora sim um filme que parece ser mesmo excelente. Deve ser, porém, extremamente difícil de se encontrar.

Ciao!

Hélio Flores disse...

Olá, Daniell. Acabo de conhecer seu blog. Coincidentemente fiz a sugestao de "Dez" no Cine Vita e o Wally me falou do seu post.

Realmente um excelente filme que brinca com esses conceitos de "cinema de autor". Mas mais que isso, a ética maravilhosa do Kiarostami, que consegue trazer belas historias e comentarios politicos com enorme simplicidade.

O filho da protagonista é um verdadeiro simbolo do Homem iraniano, tao autoritario e castrador dos direitos femininos. E cada historia de vida daquelas mulheres sao lindos comentarios sobre a vida.

O momento maior, pra mim, foi a penultima cena (que nao vou revelar aqui), tao cheia de emoçao que nao a toa é o primeiro e unico momento do filme em que a camera enquadra duas pessoas, alem de ser o momento em que duas pessoas se tocam.

Ontem eu vi outro do Kiarostami que é lindissimo. "O Vento nos Levará". Fica a sugestao.

Abraços!

Daniell disse...

Helio, ainda não vi O Vento nos Levará, mas estou à procura! :)

t disse...

Daniell, tens razão, o filme inquieta, e é sempre difícil enquadrar Kiarostami. Vale lembrar que, no caso da prostituta e de uma velhinha que, entre suas rezas constantes, parecia delirante, não aparecem seus rostos, provavelmente pelo fato de serem pessoas reais em situações delicadas.
Parabéns pelo blog, espero que, na EICTV, você possa continuar atualizando,mas olha que a internet passa caindo.