terça-feira, 5 de maio de 2009

"Ô Lôco Meu! Quem sabe faz ao vivo!", ou, "Televisão até que é divertido"


Acabou-se o que era doce. Depois de duas semanas chegou ao final o taller de Televisão. Esse foi provavelmente um dos cinco talleres que eu mais gostei no primeiro ano. Foi um curso totalmente prático e deu pra sentir o gostinho do que é trabalhar numa tv de verdade, ainda que em dimensões tão reduzidas quanto foi nosso simulacro de televisão daqui. Começamos por dividir os trabalhos que cada um faria, e, obviamente, os que estão aqui para roteiro – este que vos fala incluído – naturalmente se encaminharam para essa função. Os produtores seguiram o mesmo caminho assim como as demais cátedras. Depois passamos a uma reunião entre produtores executivos e roteiristas e fizemos um rascunho da estrutura do programa.
O professor, um catalão hiperativo, nos deu total liberdade pra criar um programa do zero mas que, obviamente, deveria ter a característica de transmissão ao vivo. Decidimos, ao final, por um programa no estilo magazine com inserção de vários Vts diferentes, com um apresentador ao vivo. Eu sugeri um talk show cristão, no estilo do Church Talk, que fazia Dana Carvey no SNL, mas no fim a idéia não foi aceita por todos. Eu tinha medo do formato magazine e minhas suspeitas se revelaram verdadeiras dentro de alguns dias.

Depois criamos os diferentes segmentos dentro do programa e criaram-se equipes de trabalho para filmar os segmentos que deveriam se filmar antecipadamente. Eu fique à cargo do roteiro de um punhado de comerciais, um videoclipe e o segmento de fofocas ficcionais do programa, segmento que também apresentei. No final das contas o saldo foi positivo, conseguimos o que queríamos que era criar algo divertido, mas, como eu suspeitava, infelizmente esse formato permite que as pessoas pensem que podem enfiar qualquer coisa no programa. E aí vem o pior que existe aqui nessa escola, bem, talvez em qualquer escola de cinema: os supostamente gênios. Escrevi um roteiro para um videoclipe que foi descartado ao final, porque quem ia dirigir o dito cujo soube que a outra equipe responsável por outro videoclipe havia feito um vídeo excelente. Deu aquela coceirinha e o diretor resolveu mudar o projeto todo e fez uma clipe muito bem realizado, mas brega até a morte. E por aí foi, no final o programa ficou um pouco como um Frankstein sem conceito, com algumas coisas muito engraçadas mas outras que se levavam a sério demais, e por isso,fracas, ou melhor, fora de contexto.


Mas no final das contas deu pra sentir o peso de trabalhar em um programa de televisão, de ficar até as três da manhã escrevendo o roteiro que vai ser usado no dia seguinte porque o material atrasou na edição. De dar um friozinho na barriga na hora de cortar de uma câmera para outra. De entrar no ar ao vivo, mesmo que seja para 50 pessoas ao redor de uma TV de plasma no lobby da escola. A escola também alugou uma unidade móvel da televisão cubana que junto que com o estúdio bacana que a gente já tem, contribuíram muito pra experiência ser real e vibrante.

Depois desse taller já dá pra sentir na boca o gostinho do final do primeiro ano. Só temos mais duas semanas de aulas, depois vem o mais intenso: os célebres 3 minutos. Dois meses de pré-produção, filmagens, pós-produção e o 'pau quebrando' de verdade.

terça-feira, 24 de março de 2009

Últimos filmes vistos


Let The Right One In – Um menino solitário, que sofre com os valentões na escola, descobre numa estranha garota vizinha uma amizade incomum. Após alguns assassinatos ele percebe que a garota é na verdade uma vampira. Fotografia absolutamente deslumbrante, matizes aquareladas, com focos excepcionais, prefere deixar o contraste para a mise-en-cene da relação entre os personagens e as paisagens gélidas e brancas da Suécia. Aposta num clima de terror psicológico e personagens extremamente bem construídos, atuações inspiradas. Recomendadíssimo.

(Låt den rätte komma in, 2008, Suécia - Dir: Tomas Alfredson)


Doubt – Um freira, diretora de uma escola católica é alertada por uma professora da possibilidade de um dos alunos ter sido assediado por um padre. Não é preciso dizer que Meryl Streep e Phillip Seymour Hoffman tem atuações brilhantes, isso é habitual. O fato de que o filme foi adaptado de uma peça de teatro infelizmente também se faz bem claro, já que se baseia tão somente em diálogos, alguns chatíssimos, com muitas poucas soluções visuais. E quando o diretor busca alguma solução visual elas normalmente são sofríveis, só demonstrando a pouca experiência que o diretor John Patrick Shanley tem, já que essa é seu primeiro filme (ele também é autor da peça original). É lamentável, por exemplo, o ato de virar a câmera sem nenhum propósito aparente, demonstrando um incrível amadorismo. O filme ainda apresenta erros de eixo e de decupagem inaceitáveis. Um último diálogo entre Hoffman e Streep quase salva a película, mas, sua última e horrível cena consegue estragar tudo.

(Doubt, 2008, USA - Dir. John Patrick Shanley)


W. - Cinebiografia de George W. Bush cujo único acerto é escolher a comédia. O filme de Oliver Stone é simplesmente uma gozação à figura do ex-presidente americano e dedica quase três horas a zombar do infeliz. Não há nenhuma construção de personagem que ajude o expectador a entrar na experiência de George Bush, mantendo sempre uma distância entre expectador e personagem. Infelizmente também é impossível para o público construir uma imagem mais verossímel do personagem, e, portanto, formular uma opinião sobre ele. A atuação de Josh Brolin é esquemática e sofrível, assim como a maioria de seus companheiros de elenco - com destaque para Thandie Newton que vive Condoleezza Rice. As melhores performances, entretanto, ficam por conta de James Cromwell e Ellen Burstyn, que assumem respectivamente os papéis dó patriarca e da matriarca Bush.

(W., 2008, USA - Dir. Oliver Stone)


Vicky Cristina Barcela – Vicky e Cristina são duas amigas de infância que resolvem passar dois meses na Espanha. Oposta em relação à suas opiniões sobre o amor, Vicky esta prestes a se casar com um sucedido empresário e Cristina vaga procurando um amor perfeito na forma de um homem que fuja dos padrões. A vida das duas muda quando conhecem ###, um pintor boêmio da região catalã. Mais uma incursão de sucesso de Woody Allen pelo velho continente. Essa filme brinda o espectador com atuações inspiradas e um panorama interessante sobre o gênero comédia romântica. Lançando mão de todo o potencial de seus atores, Allen consegue segurar o longa fazendo aproximações do cinema com a literatura - algo muito comum em seus filmes – usando para isso um narrador eficiente. Além disso, parece ser o segundo diretor que consegue arrancar uma interpretação decente de Penélope Cruz (o outro é Almodóvar).

(Vicky, Cristina, Barcelona, 2007, USA - Dir. Woody Allen)

domingo, 22 de março de 2009

Sobre alemães, Kurosawa e poucas horas de sono

Retornei à escola depois de quase dois meses fora, cheguei no dia 1 de Março, mas, em verdade deveria ter chegado no dia 4 de Janeiro, quando as aulas recomeçariam depois de duas semanas de recesso para as festas de fim de ano. Por um problema de saúde grave na família não pude regressar, mas aqui estou eu de volta.

A recepção ocorreu com um taller de estética da Televisão, nada muito interessante, não vale nem comentar. Uma semana depois e eu estava mergulhado no taller de Fotografia, que nos ensinaria a manejar uma câmera de 16 mm para as filmagens dos curtas de três minutos que cada um fará, uma espécie de exercício de graduação do primeiro ano. Na segunda estava empolgadíssimo, pela primeira vez nós iríamos ver a famosa câmera que Akira Kurosawa usava e doou à escola. Vê-la desmontada foi um pouco anticlimático, mas depois de montada com a lente e o magazine foi sensacional! Nada mais fetichista para um estudante de cinema do que tocar e aprender os fundamentos da fotografia numa câmera usada por um dos maiores cineastas do mundo, reconhecido por seu preciosismo na fotografia. Dizem que Kurosawa chegava ao set, num dia de filmagem, pela manhã, sentava-se em sua cadeira e esperava até que a luz estivesse ideal, as vezes ficava dias no set sem filmar. Isso com equipe e atores – as vezes centenas deles – vestidos e maquiados, luzes postas, esperando caprichosamente que o sol fizesse o seu trabalho. Não é à toa que a fotografia de seus filmes seja impecável.


Infelizmente a magia durou pouco. Eu sabia que o ofício da fotografia requeria dedicação e muito conhecimento técnico, mas não sabia que era tão chato. A questão é que esse taller é tradicionalmente realizado por um professor alemão um tanto quanto 'exótico', digamos. Jorg Geissler é um reconhecido profissional na Alemanha e vem todos os anos realizar esse taller prático e teórico com os alunos de primeiro ano, e é um divisor de águas, ou você ama o cara ou o odeia. Eu confesso que estou no segundo grupo. Pra começar ele marcava as aulas para mais cedo do que o costumeiro e deixava a classe muito tempo depois da hora. Além disso ele tem a interessante mania de gritar com os alunos quando estão em filmagem, basta que você cometa algum errinho em algum dos equipamentos cujos preços foram exaustivamente citados por ele em sala. Houve choro, ranger de dentes, gritaria e, principalmente, muitas, muitas horas de filmagem. Por exemplo, começamos a filmar – desta vez em vídeo – numa quinta à noite, paramos as 2h30min da manhã, acordamos às 8h30, seguimos filmando até as 11h, depois fomos para o telecine, onde ficamos direto até as 18h, com 40 min para almoçar, e depois seguimos filmando de 19h até as 3h da manhã. No sábado a filmagem seguiu das 9h30 até 16h, com 1h30min para almoço. No sábado, o roteiro que filmávamos já tinha sofrido tantas mudanças drásticas para simplificar nossa vida, que eu duvido que vá fazer algum sentido depois de montado. Além disso, depois de tantas horas de trabalho (e eu nem citei as horas de filmagem em película da semana anterior) e privação de sono, ninguém suportava mais ver a cara de ninguém. Enxergávamos uns aos outros como horas de descanso em potencial, então, se alguém se demorava a realizar algum plano, olhávamos gravemente para essa pessoa pensando nas horas que ela estava nos roubando.




Ao final, depois de muitas brigas, eu estou vivo. Mas tenho esperança que na semana que vem tudo melhore, virão duas semanas de edição e mais duas de som. E os tambores já estão soando para o grande momento deste primeiro ano: os três minutos. Os grupos já estão montados e resta pouco tempo para que comecemos a pré-produção. E, se no taller de fotografia já foi uma loucura, imagino como vai ser quando cada um de nós tiver que filmar um curta metragem de 3 minutos em película. Essa escola vai virar de cabeça pra baixo.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Festival e Gabo, parte 2

As películas mais aguardadas do festival eram Ensaio sobre a Cegueira, Linha de Passe, A Mulher sem Cabeça e Che parte 1 e 2. Todas as sessões para esses filmes foram concorridíssimas e lotadas. A sorte é que os alunos tem uma credencial e não precisam pegar fila para entrar nas sessões, sorte também que todos os cinemas cubanos são da épocas onde o cinema era a maior fonte de diversão, então são gigantes.

Na sessão dupla de Che, onde a fila pra entrar dobrava o quarteirão, compareceram, além de alguns produtores, os atores Benício Del Toro e Rodrigo Santoro, que interpretam respectivamente Che Guevara e Raul Castro. Foi interessante ver também que meu vizinho de quarto aqui na escola está no filme, como um revolucionário que leva um tiro na bunda e não tem falas. Na sessão de Linha de Passe ninguém do filme estava, mas Daniela Thomas – que divide a direção com Walter Salles – apareceu por aqui na escola anteontem. Por sorte fui numa sessão de A Mulher Sem Cabeça apresentada pela diretora, Lucrécia Martel, e que me disseram hoje deve estar na escola nos próximos dias. O primeiro filme dessa diretora argentina, O Pântano, é incrível, mas infelizmente esse último deixa a desejar.

Além disso Mike Leigh foi o homenageado da vez no festival, com uma pequena retrospectiva de seus filmes, e ainda apresentando seu último trabalho, Happy-Go-Lucky, que está excelente (e acabei de descobrir que foi indicado ao Globo de Ouro). Mike Leigh esteve aqui na escola e fez uma palestra incrível, ficou mais de duas horas respondendo perguntas dos alunas e depois almoçou com os alunos de direção.

A presença brasileira também chamou muita atenção no festival, como tem sido costumeiro nos últimos anos. Havia muitos filmes nacionais e muitos deles excelentes, é uma pena que não possa dizer isso de todos. As sessões de Última Parada 174 estavam lotadas, não entendo muito bem porque, já que achei o filme uma porcaria total. Com A Festa da Menina Morta, do Matheus Nachtergaele, ocorreu exatamente o contrário, ao final não sobrava quase ninguém na sala e eu achei o filme muito bom. As sessões de Feliz Natal, de Selton Mello, foram moderadamente concorridas mas o público ao menos se manteve dentro da sala. Além disso foi interessante bater papo com o Selton Mello e Daniel de Oliveira, ator de A festa..., duas pessoas muito interessantes e solicitas.

Fora os nacionais alguns outros filmes me chamaram muito a atenção. O festival abriu com Leonera, um filme argentino muito interessante sobre uma mulher que é encarcerada enquanto está grávida, e que também conta com a participação de Rodrigo Santoro falando um espanhol com sotaque argentino bem sofrível. O documentário uruguaio Vengo de un avión que cayó en las montañas é mais uma tentativa de abordar a tragédia do vôo de esportistas uruguaios que caiu nos Andes, através de depoimentos dos sobreviventes, fotos do próprio acidente e reconstituições o diretor consegue demonstrar toda a dificuldade para sobreviver numa situação como essa. O filme russo Día de plenilunio (não conheço o título original) é uma exercício fantástico de narração. Não conta com personagens e história centrais, ao contrário, troca de ponto de vista toda vez que um personagem encontra outro, assim, acompanhamos um personagem por alguns minutos e depois outro. Com o tempo percebemos como quase tudo gira em torno de um mesmo evento do passado.

A embaixada brasileira ofereceu um coquetel no Hotel nacional também, onde compareceram os atores Selton Mello, Daniel de Oliveira e Fernanda de Freitas (Tropa de Elite). Não foi nada interessante, o melhor foi conhecer a secretária do embaixador que parece um personagem saído diretamente de um quadro do Zorra Total. Terminei a semana cruzando pela primeira vez com Grabiel Garcia Marquez num corredor aqui da escola, finalmente! O ruim é que parece que Gabo não está nada bem, está tão velhinho e anda com tanta dificuldade que acho que não lhe sobra muito tempo. Me disseram que é muito difícil conseguir falar com ele ultimamente, porque anda mais recolhido e cansado.

Festival e outras coisas mais, parte 1

Vou dividir este post em dois pra não ficar muito grande. Tem muito tempo que eu não posto nada e fica difícil lembrar de tudo, então nem vou tentar. Três semanas atrás estávamos em um taller de produção e foi o demônio. Durou duas semanas e, no final delas, tínhamos que entregar uma pasta de produção de um curta metragem completa. O professor nos deu um roteiro e iniciamos as atividades nos reunindo em grupo e decidindo como seria a cara desse curta. Meu grupo decidiu por uma história ambientada na década de 50 cubana.

Depois disso nos dividíamos em duplas e começávamos o trabalho de verdade. Incluía um orçamento completo (inclusive com partes abertas, com cálculos de salários e encargos sociais para mais de 40 pessoas, impostos, etc), plano de rodagem, planta de câmeras, roteiro técnico, plano econômico, fotos de locações ou esboço de cenários, press kit e um pitch pra completar. Não parece tanto, mas me custou duas noites em claro trabalhando até as 5 da manhã e mais outras três noites que fui dormir as 3h. O mais curioso era andar pelos corredores da escola no meio da madrugada. Se passava na frente do quarto de algum colega eu sempre ouvia vozes lá dentro, discutindo sobre o trabalho. Na nossa sala de aula era ainda mais incrível. Eu costumava ir lá porque temos pontos de internet e alguns computadores disponíveis, mas poderiam facilmente ser 3 horas da manhã e as pessoas estavam trabalhando ativamente, ouvindo música, conversando, etc. Aparentemente era um dia normal se pela janela a escuridão da madrugada não pudesse ser vista. Era um clima interessante, mas desesperante. Especialmente porque nossos coordenadores tiveram a brilhante idéia de nos colocar uma matéria noturna – sim, porque a matéria de produção continuava normalmente durante a manhã e tarde, trabalhávamos nos horários 'livres' - tínhamos Recorrido del Heroe durante a noite com uma professora americana. O melhor de tudo era que essa matéria foi um desperdício de tempo total, pois a professora e seu irritante tradutor só tratavam de mostrar filmes completos e fazer discussões chulas no final. A aula terminava meia noite e aí começávamos a trabalhar. Que bom que acabou.

Felizmente na semana seguinte ao final do taller de produção começou o 30º Festival Internacional do Novo Cinema Latino Americano, ou, pros íntimos, Festival de Cinema de Havana. A organização do Novo Cinema Latino Americano é a fundação que criou essa escola, assim, o festival é sempre uma ocasião muito especial. A semana começou com a distribuição de módicos 30 CUCs pra cada um dos alunos. Esse dinheiro deveria ser usado para alimentação enquanto estávamos em Havana. Mas o esquema do festival é um pouco pesado, a escola coloca quatro horários de ônibus para levar os alunos para Havana, sendo que o mais tarde é as 14h. O problema é que os horários de retorno se reduzem a 12h30 e 2h da manhã. Ou seja, ficamos todos os dias 12h em Havana, cansativo pra caramba. Não dava pra reclamar muito no início, porque tudo é festa nos primeiros dias. A cada dia que pegávamos o jornalzinho com a programação do dia seguinte era uma satisfação, porque víamos nomes de filmes que queríamos ver a muito tempo, ou filmes que estrearam no circuito mundial – que exclui Cuba – enquanto estávamos aqui.

Além disso, a sede do evento é no prestigiado e famoso Hotel Nacional, no centro de Havana, e os alunos dos anos anteriores já haviam dito que era meio costumeiro passar as horas vagas nos sofás do Hotel vendo um monte de gente famosa passar.

Em relação aos filmes o festival é interessante porque te dá a chance de ver coisas que você provavelmente não vai mais ver em lugar nenhum, muitos filmes de todos os países da América latina. Dá pra conferir o que os compañeros estão fazendo por aí e deu pra ver também o rosto de muita gente conhecida aqui da escola em alguns filmes.

domingo, 9 de novembro de 2008

Reygadas e fotografias

Essa semana recebemos na escola Carlos Reygadas, um cineasta mexicano que tem certo reconhecimento internacional com seus filmes, estritamente filmes de arte. Confesso que ainda não vi nenhum dos filmes de Reygadas, mas o sujeito parece gente boníssima. É nesses momentos que você ama a escola, porque em que outra escola do mundo os alunos poderiam tomar cerveja com um artista conhecido, que pode passar muitos dos seus conhecimentos para eles? Em outra parte do mundo você almoça com um diretor de cinema de prestígio internacional? E que pega fila no refeitório como todo mundo!


O outro ponto alto da semana é que a parte prática do curso voltou, depois do hiato de algumas semanas de teoria. Se bem que eu não considero o taller de três semanas de roteiro como só teórico, afinal, tivemos que escrever muita coisa e para mim não resta dúvida de que isso é prática. Mas a parte bizarra ainda está por vir.

Pense numa mídia visual que sumiu, que está totalmente extinta mesmo. Completamente. Talvez reapareça vez por outra apenas como um tipo referência ao passado ou como uma forma didática, sem fins artísticos. Pensou? Pensou em fotonovela? Se pensou nisso acertou, agora tenta adivinhar quem está tendo um taller prático de fotonovela? Se pensou em Daniel Castro acertou também, adivinhão.


Quando eu vi escrito no quadro geral, que mostra todos os talleres que teremos até o fim do ano letivo, imaginei, no mínimo, que essa forma de... de 'arte', estivesse em uso em alguma parte da América Latina. Mas não, está extinta mesmo, assegurou meu professor uruguaio – que além de ser professor dessa pérola tem a irritante característica de falar baixo como um monge Zen budista. E depois de fazer minhas sinapses trabalharem em hora extra por um momento, cheguei a conclusão de que o objetivo do taller era, obviamente, exercitar a narração de uma história de maneira visual. E que sim, era um bom exercício pensar numa história de forma visual, decupar uma fotonovela, pensar em planos, etc. Além da aula de fotografia e revelação fotográfica que tivemos, que foi muito boa. Mas algum de vocês, caros leitores, já leu uma fotonovela? É horrível! Eu aconselho que se não leram não leiam nunca, preservem sua inocência e dignidade.


E o pior é que o professor faz questao que nosso exercício se enquadre dentro da 'linguagem' (leia-se clichê) de uma fotonovela. O pior é que em qualquer uma dessas pérolas as fotos em si são praticamente dispensáveis. A descrição emocional e psíquica dos personagens que cada um dos quadros leva é tão completa e transparente que torna as imagens supérfluas. Além do fato de que as imagens são tão genéricas que podem contemplar quase qualquer descrição. Eu entenderia o exercício se fosse apenas uma prática de uma narrativa contada por meio de imagens. Mas essa coisa de entender a linguagem das fotonovelas me parece muito dispensável e irritante. E as aulas são uma tortura psicológica já que o professor fala dos conceitos como se estivesse cantando um mantra, resistir ao sono é tarefa duríssima, sorte que foram poucas aulas teóricas e mais práticas.


Outra novidade foi que corríamos o risco de receber mais uma daquelas visitinhas tenebrosas de um furacão, mas que, felizmente, passou longe. O furacão Paloma se dirigiu diretamente para o centro da ilha e ficou bem longe de nosotros. Torço pelo pessoal de Camaguey agora, porque parece que vão pegar um categoria 4 por lá. Quando o Ike passou por aqui, uns três dias antes já ventava muito forte, se escutava os uivos altos por toda noite. Mas o Paloma tem previsão de chegada para domingo de manhã e até agora nada. Está tudo muito calmo por aqui, então acho que ele não vai fazer nem cócegas na escola, felizmente.


E outra notícia chocante: vi dois filmes essa semana! Parece horrível para um estudante de cinema, certo? E é mesmo, mas não sei o que aconteceu. E justo nessa semana, onde eu – pasmem! - não tive atividade nas noites. Tive todas as noites da semana livres e só consegui ver dois filmes. E com um deles sofri muito para chegar ao final. Os contemplados foram:


A Conversação (Francis Ford Coppola) – Filme que narra de maneira interessantíssima o trabalho de um detetive particular que grava uma conversa de um homem e uma mulher a pedido do marido da mesma. Temendo pela vida dos dois gravados, já que percebe que o homem que o contratou pode tentar matar o casal, ele se depara com um dilema ético. Excelente performance de Gene Hackman como o detetive e brilhante roteiro.


Inland Empire (David Lynch) – Num futuro próximo me lembrem de dar mais uma chance a esse filme. Acho que David Lynch merece, mas, dessa vez, tenho que confessar que não me agradou. E não foi o fato de que este último ser completamente ininteligível. Até meados dos primeiros noventa minutos eu estava totalmente concentrado na obra, até achei bastante perturbador e bizarro. Mas depois da primeira hora e meia foi praticamente impossível resistir ao sono. Tive que terminar o filme numa segunda sessão, coisa que raramente faço. Destaque para o trabalho fenomenal de Laura Dern, atriz que parece só funcionar bem com Lynch.

sábado, 1 de novembro de 2008

Farofas e Zumbis

Vocês devem ter notado a postagem dupla hoje, e a falta de post semana passada. Bom, tive alguns problemas com a internet aqui na escola, mais problemas de tempo, e, finalmente, problemas com um pendrive pródigo que já retornou à casa depois de estar perdido. Então aproveitei pra postar hoje o post que tinha escrito pra semana passada.

Essa semana não foi lá de muitos filmes. Não vi nenhum, por incrível que pareça. Quer dizer, nenhum convencional, porque o que eu vi de videoarte esses dias não está no gibi! Vi, inclusive, a coisa mais bizarra que já deve ter sido feita para o cinema. Mas felizmente me esqueci o nome, e, com sorte, devo esquecer as imagens nas próximas semanas. Ah, sim, vi também um documentário que um colega me emprestou, chamado Zeitgeist, feito por um desses grupos de extrema esquerda por aí. Estou sendo tão genérico assim de propósito porque esse filme não tem autoria, e, pra mim, não ter autor ia é também não assumir responsabilidades.

Mas devo dizer que o filme em si, apesar de tosquíssimo, é um pouco interessante. Golpeia a religião no princípio e depois, no resto, golpeia os EUA. Quem me conhece sabe que esse tipo de crítica inocente normalmente não me atrai, e que eu não tenho tanta propensão a esse tipo de esquerdismo (e talvez de nenhum outro tipo), mas o filme dá dados interessantes sobre o 11 de Setembro e sobre o sistema econômico americano. Coisas que eu nunca tinha ouvido falar antes. Pra quem quiser ele pode ser baixado de graça. É só procurar por Zeitgeist no Google.

Seguindo com as outras coisas interessantes da semana tenho que ressaltar a farofa! Sim, vocês que moram no Brasil não sabem a sorte que têm de poder encontrar essa iguaria em qualquer esquina. Quando eu estava aí não dava tanta importância assim pra farofa. Mas outro dia, quando um colega que trouxe pacotinhos de farofa pronta do Brasil me ofereceu, e eu comi junto com a comida normal do escola, quase caí pra trás! Daí tive que ligar pra minha família que se encarregou de mandar algumas coisinhas pra mim, das quais destaco grandemente a presença da farofa e de paçoquinhas. Ah! Me senti no Brasil comendo paçoquinhas.Sei que isso parece um tanto quanto patético, mas vocês não fazem idéia o tanto que se perde a refer ência quando se está distante do que você comia regularmente no Brasil. O gosto parece difer ente, maravilhoso! Bom, quando for para o Brasil em Dezembro vou de malas vazias e elas voltarão lotadas, e podem acreditar que uma boa parte da carga será de paçocas e farofa!

O outro ponto alto da semana foi a caminha Zumbi em San Antonio de Los Baños. Sim! Os alunos da EICTV estão se esforçando pra trazer a cultura ianque aqui para Cuba! Alguns alunos do terceiro ano organizaram uma festinha pra comemorar o Halloween em San Antonio, que é a cidade onde se localiza a escola (só que 9 Km distante). San Antonio é uma cidade de mais ou menos 20 mil habitantes e o cenário é o típico cubano: muitas casas velhas e aparência de desolação. Lembra um pouco os municípios pequenos do norte de Minas e alguns do Nordeste, mas tem suas peculiar idades. Bom, o caso é que esse cenário serviu perfeitamente para dar lugar a um bando de gente vestida como zumbis, gritando pelo meio da rua em plena noite. Parecia realmente um filme pós-apocalíptico, e os locais tiveram o maior prazer em se juntar a nós, especialmente os adolescentes e jovens, é claro. Depois de rodar em algumas ruas aos berros, inclusive abordando
carros, a noite terminou com a exibição de Madrugada dos Mortos em uma das praças da cidade. É esse tipo de coisa que faz a gente ter a sensação que voltou aos nove anos de idade aqui na escola, perfeito!